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Segundo Passo

"Paramos de andar em círculos e passamos a usar o cérebro.”

Eu sei o que é que vão pensar. Que eu não tenho como produzir um segundo passo conciso em um livro cujo título é "Os Doze Passos Para os Ateus". Provavelmente há quem tenha procurado este material só por curiosidade de ver o que é que eu escrevi no segundo passo. Não tem como te culpar por isto.

O "ateísmo" - seja lá o que signifique isto - é um termo defasado e imbuído de preconceito, frequentemente e recorrentemente associado a beligerância, agnosticismo, satanismo, burrice, infantilidade, ceticismo, rebeldia infundada, e sabe-se lá mais o que. O caso, e fato, é que todas estas coisas estão dissociadas. E como seria de se esperar, assim como todo rótulo, quem se diz "ateu/ateia" está dizendo que não sabe quem realmente é. E como toda afirmação, a última frase é falsa.

Em recuperação há a oração da serenidade. Eu observo as pessoas com dedicação e eu sou incapaz de ver alguém serenx quando se faz necessário. Sempre vejo todo mundo se valendo do medo, que é o contrário da coragem, para reagir aos supostos ataques da vida. Vejo as pessoas fazendo isto sempre na hora errada e no lugar errado, o que para mim é condição suficiente para concluir que não há sabedoria em lugar algum para ser vista.

É provável que se há serenidade, coragem e sabedoria, é uma característica impossível de transmitir através da léxica, escrita ou falada, ou de outro meio. Deve ser então correto afirmar que só quem tem serenidade, coragem ou sabedoria é capaz de identificar, entender e compreender a serenidade, coragem ou a sabedoria. E por consequência disto, não tem conhecimento nenhum acerca destas coisas a ser transmitido, a não ser que venha de uma fonte superior.

A minha definição de poder superior é a seguinte: Se eu tenho como entender, compreender, ou de qualquer forma reduzir a algo que a minha mente minúscula pode controlar, então não é superior. Não faz sentido pensar, falar e escrever sobre o que é superior, porque se eu tenho como relatar, reduzir a pensamentos e palavras, então não é superior a mim. Se há algo superior a mim, eu não tenho como produzir algum pensamento ou expressão que traduza o que me é superior. A condição necessária para que algo seja superior a mim é que eu seja inferior a isto.

Só consigo identificar uma religião por aí e é a religião do Ego. O Deus é o Medo e todo mundo que eu conheço é devotx fanáticx.

Eu tenho a impressão nítida de que as pessoas têm medo de se entregar para a vida porque ficam aguardando a volta de um messias, ou ficam aguardando que suas dúvidas e devaneios alcancem uma satisfação. Que suas perguntas sejam respondidas. Que seus anseios sejam acalmados. É para isto que servem as drogas, os remédios, as religiões, os governos e inúmeros outros subterfúgios que nós criamos de forma cíclica e contumaz. É o culto ao Medo, único Deus universal.

Eu vejo isto como um ciclo de imbecilidade que parece não ter fim, e parece que as pessoas são solidárias com as outras, porque todo mundo se sente da mesma forma. Vejo as pessoas em comunhão de esforços ajudando uns xs outrxs a se manter nisto que eu chamo de imbecilidade. Eu mesmo estou contribuindo para o ciclo com este livro, que é só mais um na pilha de imbecilidade.

Há por aí incontáveis redutos com mentes perversas e lobotomizadas prontas para fornecer tudo o que as pessoas querem, que é se manterem dormindo e alheias à realidade. Há templos, casas, igrejas, lojas, terreiros, bibliotecas, escolas, shoppings, famílias. Grupos de apoio inclusive frequentemente tornam-se redutos de promoção de condescendência e tolerância. Se um grupo de apoio fizesse um trabalho honesto, quem entra lá com o ego inflado seria devidamente rechaçado pelo grupo, em sinal de defesa ao grupo e ajuda a quem expõe seu ego.

Este ímpeto que parece quase natural que o ser humano tem de exaltar seu ego, como eu estou fazendo quando escrevo este livro, é a expressão maior do medo. Talvez eu escreva porque tenha medo de ser esquecido, de não ser ouvido, de não ser lido. O medo é o exato oposto da coragem.

Lutar contra o ego não faz sentido. Aquilo que luta é o inimigo. É uma luta que só se vence quando se baixa o escudo.

Coragem neste caso significa parar de fugir de si mesmx. Ao invés de fugir e tentar inutilmente negar o ego, o prudente deve ser observar o ego e aprender a ver o ego. Ver o Ego significa destruí-lo.

Eu sei que tu esperava que eu te dissesse que há esperança, mas se há esperança, eu quero garantir que não vai te agarrar nas falsas esperanças. Não há entidade externa alguma capaz de te ajudar, tu está sozinhx nesta empreitada. O teu inimigo, que é o Ego, tem todas as vantagens sobre ti. Menos uma. A Verdade.

Então há pelo menos uma esperança real, que é intangível. O que deve ser motivo suficiente pra te tornar céticx a ponto de não te tornar refém de nada nem ninguém, te colocando de novo sozinhx. Mas é isso o que te resta. Para de ler o que eu escrevo, para de buscar em outrxs pessoas, livros, lugares, garrafas, remédios, substâncias, e olha pra dentro. Tudo o que eu falar além de "olha pra dentro de ti" é inútil.

Mas não acredita em mim, vai lá e observa o mundo com teus próprios olhos.


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